Semanas seguidas do isolamento social acarretam problemas múltiplos: econômicos, políticos, emocionais e educacionais.
O aumento desenfreado de queixas contra as escolas particulares tem levado a uma mudança de postura dos órgãos de defesa do consumidor, antes tolerantes com a questão do ensino para enfatizar a proteção dos empregos e agora mais combativos na exigência de descontos de mensalidades.
Como a origem do conflito jurídico é o Código de Defesa do Consumidor, vamos encontrar a previsão de responsabilidade das empresas que fornecem serviços, onde estão inseridos os estabelecimentos educacionais:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
1ª reflexão sobre a norma: o serviço educacional durante a pandemia está sendo defeituoso?
É evidente que a matrícula foi feita para aulas presenciais, e mais evidente ainda que o aprendizado dos alunos teve grande prejuízo pelo corte abrupto de convivência com professores, colegas e estrutura da instituição.
OK mas… pilhas de deliberações, instruções e indicações das Secretarias de Educação deixam claro que o ensino à distância está autorizado e incentivado pelo Poder Público, até como forma de reforçar o necessário isolamento social.
Nos parece inadequado falar em defeito, quando a adaptação curricular e metodológica para o EAD tem previsão expressa dos órgãos regulamentadores.
A sensação das famílias é de falha, mas o fato concreto é que a continuidade das aulas presenciais seria a pior situação, a despeito da obrigação assumida em contrato pelas escolas.
Defeito seria abandonar o aluno ou usar de improviso sem cumprir as normas reguladoras para o ensino à distância.
2ª reflexão sobre a norma: As informações estão sendo insuficientes ou inadequadas?
Esse ponto é delicado, pois entra num aspecto subjetivo: as escolas têm feito comunicações mas as famílias sempre querem saber mais. No tumulto da primeira semana de pandemia, multidões de pais exigiam saber quando as crianças retornariam para a escola.
A transparência exigida pela relação de consumo impõe a prestação de informações possíveis, não de estimativas ou opiniões. Mas os canais de acesso por email, agenda digital, telefone e aplicativos precisam estar abertos e acessíveis às familias, com respostas rápidas e coerentes para fazermos frente a essa obrigação.
Continuando, o Art.14 ainda prevê:
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
- o modo de seu fornecimento;
- o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
- a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Então vamos à 3ª reflexão: Está sendo fornecida a segurança que o aluno deve esperar?
Ponto para as escolas! Impedir a presença física na atual circunstância é a melhor decisão para proteger a saúde e atende o previsto no inciso III e no § 2º: a época em que o serviço à distância está sendo fornecido é a mais adequada e a adoção de novas técnicas (aulas em vídeo e variadas tecnologias) também não implica em defeito.
4ª reflexão: Se não há defeito na atividade educacional à distância, quem é o culpado pelo Coronavirus?
Deixando de lado a discussão política tão intensa dos dias atuais, procurar o culpado por uma pandemia mundial que tirou milhares de vidas e comprometeu a economia de todos os países seria improdutivo para nossa análise: o principal aqui é que não foi a instituição educacional – e disso temos certeza – a responsável pela disseminação da doença e a alteração no modo de vida de toda a população.
Em outras palavras, a escola é tão vítima quanto as famílias.
Para concluir, a despeito dos ânimos exaltados e da impaciência de alunos e seus responsáveis, a conduta mais acertada e lícita é a prestação de serviços educacionais à distância enquanto durar o estado de calamidade pública.
Nas condições aqui expostas, a responsabilidade da instituição de ensino está preservada.