Há alguns anos ganhou notoriedade no noticiário o caso trágico do menino Bernardo, que foi assassinado no Rio Grande do Sul e teve como principais suspeitos o próprio pai e a madrasta.
Esse crime bárbaro trouxe grande indignação e comoção popular especialmente porque a vítima já relatava antes do crime e até à própria justiça que sofria maus tratos e era ignorado em casa.
Também em nosso dia a dia na escola muitas vezes nos deparamos com situações que nos incomodam, pois é perceptível nas crianças o impacto da desestrutura familiar e a agressividade recebida dos próprios pais.
Qual o papel do educador e de que forma devemos direcionar as ocorrências de abandono afetivo e violência doméstica?
Em princípio não podemos condenar ninguém por simples sinais. Não é todo ferimento, irritação ou agressividade manifestada pelo aluno que impõe necessariamente algum abuso sofrido, exceto se for um espancamento evidente, o relato vier da própria criança ou um pedido aberto de socorro, a exemplo do caso citado no início da matéria.
Mas o fato de notarmos mudanças anormais de comportamento e marcas físicas frequentes de agressão nos obriga a averiguar, pelo menos junto ao próprio educando e aos seus pais, para esclarecer e resolver desde logo os motivos dessas ocorrências.
É claro que nenhum dirigente educacional gostaria de entrar em atrito com seus respectivos contratantes, mas medidas são necessárias no sentido de proteger os interesses da criança e evitar acusações de omissão por parte da escola.
Nossa isenção e profissionalismo compreendem o respeito ao alunado e o cumprimento de nossos deveres legais, sem receio de desagradar a quem quer que seja.
Se desses contatos iniciais não houver atendimento pela família ou se os indicativos de maus tratos se repetirem, temos motivos suficientes para levar adiante a suspeita e atender ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 13 de julho de 1990):
“Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I – maus-tratos envolvendo seus alunos; (…)”
Esse comunicado ao Conselho Tutelar deve ser feito preferencialmente por escrito, para formalizarmos o cumprimento da obrigação, e indicar de forma sucinta o que foi observado no aluno, sem nenhum juízo de valor sobre quem é culpado ou não.
Ao encarar o problema de frente estaremos lidando com um assunto delicado e emocionalmente desgastante – a violência originada da própria família – mas além da consciência tranquila podemos estar realmente colaborando para evitar danos maiores àquelas crianças.
CÉLIO MÜLLER – Advogado e Consultor Jurídico especializado em Direito Educacional, sócio do Müller Martin Advogados. Autor do livro GUIA JURÍDICO DO MANTENEDOR EDUCACIONAL. Atualmente é assessor jurídico de diversas instituições de ensino em todo o Brasil.